Para Carlos Fernando dos Santos Lima, Jair Bolsonaro (PSL) é hoje uma “fonte de preocupação”. Para ele, atitudes recentes do presidente – como mandar o antigo Coaf para o Banco Central e trocar nomes-chave da Receita Federal – podem ter sido motivadas pelo desejo de proteger seu filho, o hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O senador é investigado na operação Furna da Onça, que apura se políticos de vários partidos teriam se apropriado dos salários de assessores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
“Infelizmente, uma questão menor, um crime dos mais banais envolvendo políticos – a ‘rachadinha’ dos salários no gabinete – está inviabilizando o combate à corrupção no Brasil”, disse Carlos Fernando em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, por telefone.
Para Carlos Fernando dos Santos Lima, Jair Bolsonaro (PSL) é hoje uma “fonte de preocupação”. Para ele, atitudes recentes do presidente – como mandar o antigo Coaf para o Banco Central e trocar nomes-chave da Receita Federal – podem ter sido motivadas pelo desejo de proteger seu filho, o hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O senador é investigado na operação Furna da Onça, que apura se políticos de vários partidos teriam se apropriado dos salários de assessores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
“Infelizmente, uma questão menor, um crime dos mais banais envolvendo políticos – a ‘rachadinha’ dos salários no gabinete – está inviabilizando o combate à corrupção no Brasil”, disse Carlos Fernando em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, por telefone.
À BBC News Brasil, ele diz que tudo o que fez foi antecipar informações não protegidas por sigilo, com o único objetivo de criar uma “corrida pela delação” entre os investigados.
Ele também classifica as supostas conversas de procuradores acerca da morte da ex-primeira dama Marisa Letícia (1950-2017), mulher do ex-presidente Lula (PT), de “conversa de botequim” dos procuradores.
“Poucas pessoas suportariam a revelação de cinco anos de mensagens trocadas em grupos de WhatsApp. Sejam jornalistas, sejam funcionários públicos, sejam membros do Vaticano. Nem mesmo o Papa não resistiria”, diz.
‘Entre o diabo e o coisa ruim’
No 2º turno das eleições de 2018, diz Carlos Fernando, o país ficou “entre o diabo e o coisa ruim”, referindo-se aos então candidatos Fernando Haddad (PT) e Bolsonaro. Muitos procuradores tinham a percepção de que um governo petista “acabaria sendo mais agressivo com a Lava Jato”, segundo ele. Por outro lado, não havia muito entusiasmo com o candidato eleito.
Bolsonaro acabou frustrando expectativas quando não deu o devido apoio, na opinião de Carlos Fernando, ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, que hoje tramita a passos lentos no Congresso. Neste caso, o presidente “acabou realmente se revelando uma decepção”, diz o procurador aposentado.
Ele ressalta ainda que a decisão de Moro de integrar o governo é uma escolha pessoal e não da Lava Jato. Mas avalia que a permanência dele no ministério ainda é “uma garantia” para o país.
O procurador também diz que Bolsonaro erra ao retardar a escolha do próximo procurador-geral da República. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, acaba no dia 17 deste mês, mas uma eventual indicação de um procurador “alinhado” não teria os efeitos desejados pelo presidente, segundo Carlos Fernando.
“Querer um procurador alinhado com a visão do Bolsonaro em questões de meio ambiente, ou indígenas, é pouco produtivo, porque os procuradores dessas áreas são independentes da opinião do PGR. No final das contas, acabará possivelmente acirrando mais os ânimos dentro da categoria”, afirma ele.
Aos 55 anos, Carlos Fernando deixou a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba em setembro de 2018. Em 18 de março deste ano, aposentou-se no Ministério Público.
Hoje atua como advogado, palestrante e professor na área de compliance corporativo – uma área do direito que busca implementar boas práticas e prevenir casos de corrupção em empresas. Quando falou com a reportagem, ainda buscava um espaço para montar seu escritório, em Curitiba (PR).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O senhor disse recentemente que a Lava Jato vive o seu pior momento. A que atribui as adversidades recentes da operação?
Carlos Fernando dos Santos Lima – Neste momento, nós estamos com uma situação em que o poder político, o sistema político que a Lava Jato acabou revelando o método de fazer dinheiro, de se financiar, ele se uniu contra a Lava Jato. Anteriormente a isso, nós tínhamos os políticos agindo isoladamente contra a Lava Jato, mas não em grupo, o sistema agindo coletivamente. Hoje não: nós vemos o Congresso Nacional, nós vemos parte do Supremo Tribunal Federal, nós vemos instituições diversas agindo contra a força-tarefa.
Infelizmente isso se revela bastante difícil de lidar. Então, esse é o momento mais difícil que a Lava Jato tem passado nestes cinco anos.
BBC News Brasil – Segundo o senhor, esses reveses se deram em várias frentes: no Congresso, com a aprovação do projeto de lei contra o abuso de autoridade; no STF, com a decisão da 2ª Turma relativa ao Bendine; e no Executivo…
Carlos Fernando – O próprio presidente da República (Jair Bolsonaro, do PSL) com algumas decisões, como a transferência do Coaf para o Banco Central. Nós temos também questões relativas à Receita Federal. Não sei se por conta das investigações sobre o filho (o senador Flávio Bolsonaro, do PSL-RJ), o presidente tem tentado essas medidas. Que na verdade tiram um dos pilares básicos da operação Lava Jato, a relação entre instituições e agentes se auxiliando mutuamente.
Agora, com este Coaf no Banco Central (o órgão mudou de nome para Unidade de Inteligência Financeira) e sem liberdade de se comunicar com o Ministério Público; e com a Receita também ameaçada de diminuição da sua independência, nós temos realmente uma situação dramática. Eu tenho que o próprio presidente da República é fonte de preocupação hoje.
BBC News Brasil – Acredita então que as mudanças no Coaf e as propostas de alteração na Receita podem ter por objetivo blindar Flávio Bolsonaro?
Carlos Fernando – Para tentar dificultar as investigações em relação ao Flávio Bolsonaro. Infelizmente, uma questão menor, um crime dos mais banais envolvendo políticos, a “rachadinha” dos salários no gabinete, está inviabilizando o combate à corrupção no Brasil.
BBC News Brasil – O senhor disse, em entrevista recente à GloboNews, que parte dos apoiadores e pessoas que trabalharam na Lava Jato apoiaram Bolsonaro no 2º turno das eleições de 2018.
Carlos Fernando – Sim, é uma escolha que todo cidadão tem que fazer na hora do 2º turno (das eleições). Infelizmente o Brasil fica sempre entre o diabo e o coisa ruim no 2º turno. E cada um de nós teve que fazer essa escolha. Mas houve votos para os dois candidatos, dentro da operação Lava Jato. Entre os diversos procuradores.
BBC News Brasil – Mas de qualquer forma havia a percepção de que o Fernando Haddad seria pior para a operação.
Carlos Fernando – É. Isso é uma decisão individual, como eu falei. Nunca houve uma decisão nem uma orientação (coletivas), mesmo porque nós somos dezenas de funcionários públicos, de todos os níveis, e centenas de servidores em várias instituições (…). Mas nas conversas, é claro, a impressão que se tinha é de que o Partido dos Trabalhadores, até mesmo porque, obviamente, foi o mais atingido pelas investigações, acabaria sendo mais agressivo com a Lava Jato. Mas isso, repito, é a avaliação individual que nós, cada um dos membros da Lava Jato, fez.
BBC News Brasil – Agora, o presidente da República toma atitudes que, segundo o senhor mesmo disse, enfraquecem o poder de investigação. Há frustração com Bolsonaro?
Carlos Fernando – Como eu mesmo disse, a opção por um ou outro candidato não era, em nenhum momento, me parece, entusiástica. A maior parte de nós tinha restrições a ambos os candidatos.
Existe aquela velha do Barão de Itararé (o jornalista e escritor gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, 1895-1971). “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”. Conhece? Então, não se esperava muita coisa do Bolsonaro. Mas quando ele montou o ministério, chamou o (ex-juiz Sergio) Moro (Justiça), chamou alguns militares, chamou o (ministro da Economia, Paulo) Guedes, se esperava que, com esse time, se ele deixasse realmente este time fazer o que se propunha, nós tínhamos alguma esperança.
O Moro, com o projeto de lei anticorrupção, que é até tímido, na minha opinião; muito menor que as Dez Medidas contra a Corrupção, muito menor que as Novas Medidas contra a Corrupção, mas pelo menos era uma tentativa de mudança. Mas infelizmente o presidente (Bolsonaro) não apoiou o Moro efetivamente nesse projeto, e acabou realmente se revelando uma decepção.
BBC News Brasil – Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu o “fortalecimento da Lava Jato”. O senhor acha que essa promessa está sendo cumprida?
Carlos Fernando – Veja bem: eu não espero do presidente um “fortalecimento da Lava Jato”, porque isso não é tarefa do Presidente da República. Não esperava isso. Eu esperava que ele não tomasse medidas que atrapalhassem a Lava Jato.
Agora, por exemplo, o que nos preocupa é a escolha de um PGR (Procurador-Geral da República) contrário à Lava Jato. Nós tivemos dias atrás um candidato, um nome que voltou da aposentadoria irregular que lhe tinha sido deferida, dizendo já de cara sobre a ilegalidade da operação Lava Jato (refere-se ao subprocurador-geral Antônio Carlos Simões Martins Soares).
A Lava Jato não precisa de ninguém para ajudar, mas se não atrapalhar já seria muito bom. Então, escolher um PGR que seja reconhecido pela classe (dos procuradores) dentro da Lista Tríplice (elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR) já seria um fortalecimento da Lava Jato, porque ela se baseia na independência do Ministério Público. Não mexendo com a independência do MP, já estaria muito bom.
BBC News Brasil – Que balanço o senhor faz da atuação de Sergio Moro até o momento, como ministro da Justiça? O fato de Moro estar no governo significa o apoio da Lava Jato a Bolsonaro?
Carlos Fernando – Bom, primeiro que o Moro, ou eu, ou o Deltan, ou qualquer pessoa individualmente não é “a Lava Jato”, obviamente. Então, a decisão do Sergio Moro de sair da magistratura e ir para o ministério é uma decisão individual dele. É claro que ele tem uma representatividade muito grande, mas não é uma decisão da Lava Jato. De qualquer maneira, dentro da realidade política, ele está fazendo, acho, um bom trabalho. Montou uma equipe muito boa.
Infelizmente nós vimos o sacrifício de uma pessoa excepcional, o dr. Roberto Leonel (ex-presidente do Coaf), sacrificado por conta de ter dito o óbvio. Que a decisão do (presidente do STF, ministro Dias) Toffoli (relativa a um pedido de Flávio Bolsonaro, em 16 de julho) atrapalha todo o combate à corrupção. Por isso, e por ter o Coaf sido a origem das informações relativas a Flávio Bolsonaro, acabaram tirando o Coaf do Ministério da Economia, e indo para o Banco Central.
Apesar de tudo, apesar do pacote (anticrime) que o Moro ofereceu ser tímido, nas medidas administrativas que ele vêm tomando, o MJ têm mostrado uma eficiência muito grande. Mas essa eficiência vai acabar sendo perdida se não for aprovada nenhuma medida contra a corrupção. Pelo contrário: o que nós temos visto agora é um pacote a favor da corrupção, que está tramitando no Congresso. E uma delas (das medidas do pacote) já foi até aprovada, que é a lei do abuso (de autoridade).
BBC News Brasil – O que o presidente deve fazer se quiser fortalecer as investigações contra a corrupção?
Carlos Fernando – Neste momento, as duas medidas mais importantes que ele vai ter que tomar são em relação à escolha da PGR; e o veto, parcial ou não, da lei de abuso (de autoridade). Isso aí, eu acho imprescindível que sejam tomadas nessa primeira ou segunda semanas de setembro. Então, eu creio que essas são as duas decisões mais importantes.
BBC News Brasil – Bolsonaro tem dado sinais de que pode não indicar o próximo PGR antes do dia 17 de setembro, quando termina o mandato de Raquel Dodge. Nesse caso, assumiria o subprocurador Alcides Martins. Que tipo de impacto isto poderia ter sobre a Lava Jato e o futuro do MP? O que o senhor acha dessa demora?
Carlos Fernando – Se você já tem problemas para fazer alguma coisa, não vejo porque criar mais um. Porque, na verdade, ultrapassar o prazo, em nada ajuda a resolver o problema da escolha do nome. E acrescenta mais uma questão de indefinição, ou até mesmo um desrespeito pela instituição.
Não acredito que haja qualquer utilidade para o presidente em deixar de apresentar um nome dentro do prazo.
BBC News Brasil – Ainda sobre a PGR, o presidente tem dado mostras de que quer alguém alinhado com ele. Porém, os procuradores da República têm autonomia funcional para trabalhar. O que significa essa autonomia e o que poderia acontecer se tivermos um PGR “alinhado”?
Carlos Fernando – O MP é uma instituição muito interessante, porque ela não é uma instituição hierarquizada, no sentido de que haja ordens vindas de cima para baixo. Cada procurador é titular de uma atribuição na sua área. Então, naqueles processos, naqueles assuntos: índios, meio ambiente, consumidor, seja qual for, o procurador é titular da sua área e decide independente de qualquer outra pessoa. Então, o procurador-geral da República ele tem uma função muito importante, mas ele realmente tem pouco poder para influenciar, por exemplo, decisões dos procuradores da Lava Jato.
É claro que um PGR pode acabar atrapalhando na montagem de equipes, na manutenção da própria operação, porque ele tem o poder da caneta e do orçamento do MP. Fora isso, tem muito pouco poder nas investigações individuais.
Querer um procurador alinhado com a visão do Bolsonaro em questões de meio ambiente, ou indígenas, é pouco produtivo, porque os procuradores dessas áreas são independentes da opinião do PGR.
No final das contas, acabará possivelmente acirrando mais os ânimos dentro da categoria.
A classe dos procuradores é muito ciosa dessa independência. Então, é melhor um procurador que consiga conversar com a classe do que um imposto de cima para baixo, que acabe não tendo diálogo nenhum.
BBC News Brasil – A procuradora Jerusa Viecili pediu desculpas publicamente ao ex-presidente Lula na semana passada, no Twitter, por causa de supostas mensagens que foram divulgadas na série jornalística iniciada pelo site The Intercept. Numa das mensagens, ela teria feito comentários depreciativos sobre a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia, em 2017. Não houve excessos nesse caso?
Carlos Fernando – Eu não vou ser hipócrita em relação a esses fatos. Poucas pessoas suportariam a revelação de cinco anos de mensagens trocadas em grupos de WhatsApp. Sejam jornalistas, sejam funcionários públicos, sejam membros do Vaticano. Nem mesmo o Papa não resistiria a cinco anos de mensagens trocadas no WhatsApp, creio eu.
Muitas dessas coisas decorrem de uma liberdade de grupos privados, de conversa de botequim, vamos dizer assim, do que realmente uma opinião que a pessoa falaria se estivesse numa situação pública, ou que ela pudesse refletir um pouco mais. Não dou tanta importância para essas fofoquinhas ou esses comentários maldosos.
A Lava Jato tem sido objeto de comentários bastante maldosos feitos, por exemplo, em sessão, acusando a Lava Jato de ser uma organização criminosa, pelo ministro Gilmar Mendes (do STF). Eu não vejo, por boa parte da imprensa, por exemplo, a mesma indignação.
Eu não gosto de falar sobre pessoas que faleceram porque eu sei o que é isto, pessoalmente, de você ter uma pessoa querida que falece.
Entendo a dor da pessoa, mas também não vou ficar com uma hipocrisia de fazer crítica às pessoas que falam. Acho que naquele momento foi um pequeno deslize, feito absolutamente num ambiente privado (…).
BBC News Brasil – Uma outra reportagem do Intercept atribui ao senhor a seguinte frase: ‘Meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração’. O que tem a dizer sobre isto? Há bons motivos para algumas informações serem sigilosas.
Carlos Fernando – Tem duas coisas que tem que deixar claro. Primeiro, o que é proibido é passar informações que estão sob sigilo. Então, o que me parece que há uma confusão é quando se usa informações que não estão sob sigilo, passadas para a imprensa, conforme uma estratégia de investigação. É isto que, eventualmente, pode ter sido dito. Jamais a operação Lava Jato, ou pelo que eu tenha tido conhecimento, passou uma informação sigilosa, uma informação que está coberta por sigilo.
Agora, tanto a colaboração premiada (de pessoas físicas) quanto a leniência (de empresas) partem de uma teoria chamada ‘Teoria dos Jogos’. Dentro dessa teoria, e eu dou aula disso inclusive, é necessário criar expectativas nas pessoas que estão envolvidas. Essas expectativas são sempre no sentido de atraí-las para o acordo. É fazer crer que as investigações estão se aproximando delas.
BBC News Brasil – É preciso criar uma corrida pela delação.
Carlos Fernando – Exatamente. Criar uma corrida pelas delações. É esta a técnica. Esta técnica exige então uma estratégia de comunicação muito ativa, muito clara, no sentido de fazer crer que as investigações estão chegando e têm sucesso, inclusive. Porque se uma investigação, como era no Brasil no passado, não tem risco de ter sucesso, não tem porque os colaboradores aparecerem.
A operação Lava Jato só teve sucesso porque as pessoas passaram a acreditar que ela era um sucesso efetivamente. É aquela profecia que se autocumpre. Então, neste caso a estratégia de comunicação passava também por essa forma de comunicar o sucesso (das apurações), e o risco de continuar combatendo a operação pelos métodos tradicionais. Oferecendo uma alternativa para eventuais colaboradores. O máximo que a frase pode significar é isto.
BBC News Brasil – Mas o senhor usou, ou teria usado, a palavra “vazamentos“, especificamente.
Carlos Fernando – A palavra vazamento não significa vazamento de material sigiloso. Em nenhum momento me é imputado nenhum vazamento de material sigiloso. Esse é o equívoco.
Agora, não existe nada de errado, como eu estou fazendo com você agora, inclusive, uma conversa com jornalistas. Para repassar uma informação que não está coberta por sigilo. Desde que isto me interesse, e não interesse só ao jornalista. Interesse também ao objetivo de alcançar o resultado público, que é atrair os colaboradores.
BBC News Brasil – Lava Jato: cinco anos depois, que saldo o senhor faz dela? Por um lado, mostrou que a política no Brasil foi financiada com base na corrupção. Por outro, muitos corruptores estão hoje livres; muitos políticos envolvidos, também. E milhares de empregos nas empresas atingidas foram perdidos.
Carlos Fernando – A Lava Jato descobriu, reiterou para o país, um sentimento que já havia no país, de que havia alguma coisa errada na política, que gastava milhões em campanhas caríssimas, e não se sabia de onde vinha o dinheiro. Ela revelou um sistema político viciado em dinheiro ilícito. De corrupção, ou no mínimo caixa dois (dinheiro que não é ilícito, mas não é declarado à Justiça Eleitoral). Esse sistema ele vem se fortalecendo durante toda a Nova República (de 1988 até hoje).
Eu não gosto da palavra “mecanismo” ou “sistema”, mas ele é realmente isso quando nós pensamos que ele vem, nos últimos 40 anos (…) com nomes sendo substituídos, mas o sistema funcionando igualmente (…).
E dentro disso, parte importante são as empreiteiras. Estar envolvido nesse sistema trouxe a elas muito lucro nesses últimos 40 anos. Agora, estamos vendo elas pagarem o preço da verdade, da revelação dos fatos. Os fatos são estes. Muitas delas tiveram que admitir, inclusive através de acordos (de leniência). Envolver-se em crimes tem o seu preço, e esse é o preço que elas estão pagando hoje.
Elas não chegaram a ser totalmente desmanteladas, porque a própria Lava Jato, ao fazer os acordos, procurou preservá-las da melhor forma possível.
BBC News Brasil – E no entanto a Odebrecht, por exemplo, pediu recuperação judicial, aceita em junho deste ano.
Carlos Fernando – Mas infelizmente essa é a realidade do mercado. Não tenho como tentar salvar as empresas. O objetivo do Ministério Público é fazer investigações e revelar a verdade. E aliás não me é dado esse poder de salvar ninguém. Nós fazemos acordos onde haja o interesse público da revelação dos fatos. Uma vez revelados os fatos, é óbvio que se paga o preço por estar envolvidos em crimes.
Todos pagam, fazendo acordo ou não fazendo. Todos vão pagar um preço reputacional. Todos vão ter, por exemplo, dificuldade em acessar o mercado financeiro. Qual seria a opção? Não existe outra opção. Revelado o crime, sempre vai acontecer esse tipo de problema (…).
Quem tem que buscar uma solução são os legisladores. Eu acho que é possível salvar as empresas, só que não podemos é salvar o capital da família Odebrecht. Eu tenho que pensar numa alternativa, como desapropriar as cotas, ou as ações das empresas; transferir esse valor para um depósito judicial para que sejam ressarcidas as vítimas dos crimes. Depois, se sobrar, devolve para a família. E coloca-se essa empresa no mercado acionário, com uma abertura de capital, para torná-la pública efetivamente. Mas a solução não está na mão da Lava Jato. A Lava Jato só releva o fato criminoso (…).
O Ministério Público só tem uma função: descobrir a verdade numa investigação e fazer as acusações. Não é dado a eles fazer essas considerações do tipo: “vou salvar esta empresa”, “vou salvar essa pessoa”.