Após debates intensos, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (27), a admissibilidade da proposta sobre atividades agropecuárias e florestais em terras indígenas. Foram 33 votos a favor, 18 contra e uma abstenção. A PEC 187/2016 altera a Constituição e diz que as comunidades indígenas podem, de forma direta, exercer atividades agropecuárias e florestais em suas terras, com autonomia para a administração dos bens e a comercialização dos produtos.
A votação só ocorreu após acordo, iniciado na semana passada, em que a oposição desistiria da obstrução se a relatoria declarasse a inadmissibilidade de outra proposta que tramitava em conjunto: a PEC 343/2017, mais abrangente quanto à exploração agropecuária, mineral e hídrica em terras indígenas. Logo no início da reunião, o novo relator, deputado Pedro Lupion (DEM-PR), anunciou o parecer.
“Quando voto pela inadmissibilidade da PEC 343, estamos cumprindo justamente o que foi acordado com membros da oposição e aqueles que eram contrários a essa proposta. A inadmissibilidade mata a PEC na casca, ou seja, nem em uma comissão especial para analisar a PEC 187, ela poderia voltar”.
Para Lupion, a PEC 343 é inconstitucional porque retira atribuição do Poder Legislativo quanto à autorização de exploração de recursos hídricos ou minerais em terras indígenas.
Agronegócio
Para a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) o descarte da PEC 343 foi apenas uma “vitória parcial” da oposição, já que os riscos de entrada do agronegócio em terras indígenas permaneceriam na PEC 187. Talíria lembrou que a Constituição já dá autonomia aos indígenas para plantar e comercializar seus produtos.
“Não à colonização e não à volta de uma lógica indigenista integracionista que foi rompida com a Constituição de 88. Dizer que vai permitir atividades florestais, atividade agrícola e agropecuária para os povos indígenas? Eles já podem fazer isso. O que não se pode é violar a legislação ambiental e entregar para terceiros, que é isso que a PEC propõe. Mesmo com a desapensação, abre-se brecha para o avanço do agronegócio em terras indígenas”, disse. A PEC 343 tramita apensada à PEC 187.
Defesa da proposta
Já o autor da PEC 187, deputado Vicentinho Junior (PL-TO), reclamou de “interpretação errada” do texto e argumentou que a proposta dá meios efetivos de os indígenas implementarem atividades econômicas.
“Essa PEC abre a possibilidade – e não a obrigatoriedade – de comunidades indígenas fomentarem nas suas áreas de reservas indígenas uma atividade econômica. Só depois de aprovada a PEC 187, é que as comunidades indígenas no Brasil poderão, se assim quiserem e ao seu usufruto próprio e pessoal, ir ao governo do estado para emitir uma inscrição estadual e ter acesso ao fundo constitucional de um Banco da Amazônia, Caixa ou Banco do Brasil. Por que não inseri-los na rota do progresso do Brasil?”, observou.
A reunião foi acompanhada por lideranças indígenas, que protestaram ao fim da votação. Também houve debates acalorados entre os parlamentares. A deputada Joênia Wapichana (REDE-RR) disse que a PEC está na linha do atual “desmonte das políticas públicas indigenistas”, com reflexos nos graves problemas socioambientais que o país enfrenta no momento.
“É justamente nesse cenário onde a Amazônia está pegando fogo e onde as terras indígenas estão mais vulneráveis justamente por conta das invasões tanto de atividades garimpeiras quanto de madeireiros, mas também a ausência de uma reação positiva do governo brasileiro. Isso apressa esse desastre na Amazônia. O direito fundamental (dos povos indígenas) é cláusula pétrea e não deveria ser modificado para atender interesses estranhos, inclusive com restrições de direito como é a PEC 187”, disse.
Mas, para o deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), a proposta dará autonomia aos indígenas.
“Temos que dar ao índio a proteção que ele merece, mas, ao mesmo tempo, temos que fazer com que os índios possam se libertar dessa servidão voluntária que hoje os impede de fazer exploração agropecuária ou florestal em suas terras. Chega de discurso que trata o indígena como coitadinho”, observou.
Para os deputados de oposição, a proposta fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê consulta prévia às populações tradicionais em temas ligados à sua autonomia. Alguns levantaram a possibilidade de recurso à Justiça para barrar a tramitação da PEC. Após a aprovação da admissibilidade, a proposta sobre atividades agropecuárias e florestais em terras indígenas será submetida à análise de uma comissão especial antes de passar por dois turnos de votação no Plenário da Câmara.