sexta-feira, julho 26, 2024
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    Explicando: os entraves para asfaltar a BR-319

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    Manaus recebeu a presença de Jair Bolsonaro há menos de uma semana. Enquanto cumpria compromissos políticos na capital, o presidente mais uma vez garantiu: a BR-319 será, sim, asfaltada durante seu governo.

    Sem dar detalhes ou prazos sobre o projeto, Bolsonaro limitou-se a assegurar a continuidade das obras “com toda a certeza”. Segundo ele, um gabinete foi montado em Brasília para estudar os aspectos técnicos da obra, motivo de entrave mais de 40 anos após sua abertura.

    Apesar do discurso legítimo de melhorar a trafegabilidade pela Amazônia, o projeto de reasfaltar a BR-319 esbarra em problemas ambientais relevantes, o que divide opiniões sobre os benefícios e prejuízos reais causados pela recuperação da rodovia.

    Pensando nisso, o Projeta reuniu informações e elencou diferentes aspectos – positivos e negativos – para você ficar por dentro do assunto e se posicionar a respeito.

    Asfalto no meio da Amazônia

    A BR-319 é fruto do projeto de integração nacional promovido pelos governos militares nas décadas de 60 e 70. A intenção era ocupar a Amazônia para garantir o controle estratégico sobre a região, baseando-se na construção de rodovias e incentivos à migração.

    À época, jornais apontavam a estrada como uma das mais difíceis obras de engenharia de estradas do Brasil, pois, além de exigir a construção de 300 km sobre aterros, a rodovia foi a única da Amazônia inteiramente asfaltada após a construção.

    Ainda assim, naquele contexto, a BR-319 foi construída às pressas. As obras foram realizadas de 1968 a 1973. Entregue asfaltada quando inaugurada, em 1976, a rodovia tem quase 900 km e é a única ligação por terra entre Manaus e o resto do país, via Porto Velho (RO).

     

    O que fez a rodovia ficar intrafegável?

    Diversos fatores contribuíram para isso a partir de 1981- segundo Oliveira Neto (2014). Entre eles, cinco se destacam, todos associados à secção do fluxo entre as capitais regionais:

    1. Excesso de peso dos veículos;
    2. Crise econômica no final da década de 70, limitando investimentos em infraestrutura e corroborando com a ausência de manutenção;
    3. Elevados índices pluviométricos;
    4. Aterros da rodovia, quando da construção, realizados, possivelmente, com a presença de matéria orgânica (raízes, galhos, troncos de árvores);
    5. Retirada de trechos do pavimento por uma construtora.

    As “pontas” encontram-se hoje asfaltadas, o que garante a trafegabilidade nas áreas, sobretudo no trecho que liga Humaitá (AM) a Porto Velho (RO). O problema, entretanto, está em uma faixa de 406 km, conhecida como “trecho do meio”.

    Coberta por lama, água e floresta, só passa por ali quem realmente precisa. Em diversos locais, não é possível ver sequer vestígios do asfalto.

    O plano de recuperação

    A recuperação da rodovia foi incluída, em 1996, no plano estratégico Brasil em Ação, do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, como sabemos, nunca saiu do papel.

    Coube ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva separar R$ 697 milhões para reabrir a rodovia. O investimento foi anunciado em 2007 como parte dos R$ 500 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até 2010.

    Em 1986, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), atual Ibama, tornou obrigatória a elaboração de um Estudos de Impactos Ambientais (EIA) e um Relatório de Impactos ao Meio Ambiente (RIMA) para a construção de rodovias, ferrovias e o desenvolvimento de atividades sociais e econômicas que envolvam o impactos ao meio ambiente.

    A BR-319 possui uma Licença de Instalação (LI 1.111/2016) vigente para a manutenção do leito natural (estrada de terra), que autoriza a manutenção da via com atividades como aplicação de britas, nivelamento, recuperação de pontes e outros. Entretanto, por necessitar de uma reconstrução total do pavimento, a obra do trecho do meio exige uma nova licença ambiental.

    Em 2008, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) encaminhou ao Ibama um Estudos de Impactos Ambientais (EIA), que foi devolvido por precisar de complementações. O documento não possuía “proposta de governança para área de influência do empreendimento” nem considerava as “Unidades de Conservação de maneira adequada”.

    Tais ajustes, até hoje, não foram enviados pelo Departamento, de acordo com o Ibama. A Licença Prévia, que no procedimento ordinário de licenciamento seria a primeira licença do processo, somente pode ser emitida pelo Ibama quando comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento. Esta análise só pode ser realizada a partir da entrega e aprovação do EIA.

    Quais os entraves para o Ibama não emitir a licença?

    Os impactos negativos se intensificam quando não são acompanhados de políticas eficazes de contenção do desmatamento e fortalecimento das instituições locais. Um dos principais entraves é a baixa presença do Estado na região da BR-319, cujo asfaltamento viabilizaria também a abertura de quatro estradas estaduais projetadas. A maior delas, AM-366, de 578 km, corta um parque nacional e terras indígenas.

    Para liberar o trecho central, o mais deteriorado, o Ibama exige a demarcação das unidades de conservação que foram criadas pelo governo no entorno da estrada, além de um sistema de monitoramento delas, e uma avaliação mais abrangente dos possíveis impactos da reabertura da BR-319.

    Para o ecólogo norte-americano Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), há muito mais impacto do que é admitido. Segundo ele, a rodovia daria acesso direto à floresta para imigrantes e integrantes de movimentos de ocupação, que poderiam aumentar o índice de desmatamento na localidade.

    A estrada conecta o Arco do Desmatamento [sul do Amazonas e Rondônia] com Manaus, que tem uma rede de estradas até Roraima, por onde podem sair os migrantes. O imenso bloco de floresta na parte ocidental do Amazonas tem sido poupado devido à falta
    de acesso, mas as estradas planejadas pelo governo estadual conectando-se à BR-319
    abririam essa área para a migração.

    A perda e degradação de habitat, poluição química, aumento da violência e atropelamentos de fauna também são alguns dos impactos negativos decorrentes da construção de estradas na Amazônia.

    Segundo o Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), a invasão antrópica causada pela expansão rodoviária na Amazônia Legal também vem acompanhada de graves problemas fundiários que propiciam a ocupação desordenada, a grilagem de terras, os conflitos e expulsão de populações tradicionais. Situação semelhante é encontrada no Sul do estado, por exemplo, onde o trecho da BR-319 possui asfaltamento.

    E o outro lado?

    A BR-319 tem essa questão ambiental sensível, mas autoridades – como governador do Amazonas, Wilson Lima e o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, por exemplo -têm exposto que a estrada deve trazer maior desenvolvimento para o Amazonas, sem desconsiderar questões ambientais importantes.

    De moradores atraídos à região nos anos 1970 a caminhoneiros atolados, todos apoiam o asfaltamento. Fora da estrada, a pressão para asfaltar vem sobretudo de lideranças políticas e empresários do Amazonas e de Rondônia. O principal argumento é o barateamento do frete até Manaus, onde as mercadorias escoam principalmente pela via fluvial – a conexão com Rondônia é pelo rio Madeira.

    E agora, quais as perspectivas?

    O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) criou um fórum de discussão permanente sobre o processo de reabertura da BR-319. O objetivo é somar esforços, de forma articulada, para fomentar discussões técnicas e propostas visando subsidiar ações relacionadas ao processo de reabertura da rodovia.

    Mais de 20 entidades, entre instituições públicas e privadas, associações e sociedade civil organizada integram o fórum, que já fez alguns avanços, segundo o procurador Rafael Rocha. Segundo ele, o fórum possibilitou o nivelamento de informações entre os participantes, aproximou agentes públicos, usuários da rodovia e a população que reside na área de influência da obra, entre outras ações.

    No dia 9 de julho, o governador Wilson Lima e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tiveram um encontro para discutir sobre as obras da BR-319. Na ocasião, o presidente se comprometeu em participar de uma caravana pela rodovia, programada para acontecer ainda neste ano.

    Durante a reunião ficou acertado a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para agilizar o processo de licenciamento ambiental.

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