Me perguntaram no último domingo se eu já tinha visitado Salvador. Aquilo mexeu comigo.
Tinha acabado de presenciar uma manifestação musical como há muito não se via em Manaus, as minhas emoções estavam afloradas. A música tem esse poder do arrepio.
A questão sobre Salvador voltou por algum motivo agora que eu recebi a notícia de que o rapper baiano, Baco Exu do Blues, venceu o Gran Prix do festival Cannes Lions, um dos mais importantes do mercado publicitário.
Eu lembro exatamente do momento em que assisti, pela primeira vez, o curta-metragem “Bluesman”. É um manifesto.
‘Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos
O primeiro ritmo que tornou pretos livres
Anel no dedo em cada um dos cinco
Vento na minha cara eu me sinto vivo
A partir de agora considero tudo blues
O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues
O funk é blues, o soul é blues
Eu sou Exu do Blues
Tudo que quando era preto era do demônio
E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues
É isso, entenda
Jesus é blues
Falei mermo’
O prêmio para Baco Exu do Blues foi na categoria Entretenimento para Música. Neste ano eles não conseguiram escolher somente um vencedor, então o vídeo de Baco Exu do Blues ganhou junto com o rapper americano Childish Gambino, “This is America”, que faz uma denúncia artística sobre uma sociedade americana doente por violência. O seu vídeo ampliou o debate.
A megaprodução “Apeshit”, do casal Beyoncé e Jay-Z foi filmado no Museu do Louvre. Ainda que o trabalho do casal também converse com questões sociais, as críticas dos rappers Baco e Childish superaram a estética.
O resultado mostra que a publicidade finalmente está entendendo a importância do meio e da mensagem. Os rappers também se apropriaram de uma estética, ressignificaram o que é bonito e deslumbrante. E o público compra. E a indústria vende.
Uma das músicas de “Bluesman” se chama “Me desculpa Jay-Z”, onde Baco canta que tem sonhos eróticos com Beyoncé. Confesso que eu queria ver a cara de Jay Z escutando um brasileiro falar isso na mesma linguagem que ele atua: o rap.
A questão não é a disputa, obviamente não é. O Baco queria ser o Jay-Z e de repente se torna mais interessante que o próprio no mundo da publicidade, que é o que paga toda essa relevância que a gente vê.
Baco sabe da importância que esse prêmio tem pro rap nacional e respondeu isso em entrevista ao Globo.
Créditos: Uatumã Rocha
No último dia 7, Victor Xamã, um rapper manauara, abriu o show de Baco em São Paulo. Toda essa quantidade de gente ouviu músicas sobre o Encontro das Águas, aplaudiu um artista que repete que rap no Norte não é desemprego. E que faltou aula de geografia pro Brasil inteiro.
Baco leva o prêmio pra casa e junto com ele a esperança pra jovens brasileiros em todas as periferias onde o rap se faz presente, se utiliza palavra como arma.
Nas aulas de História fomos ensinados que o Brasil começou lá na Bahia, já que os Portugueses chegaram em Porto Seguro primeiro durante a “descoberta”. Quando Baco divide o palco com Victor Xamã, que remonta a uma lírica ancestral é a prova de que Baco entende a necessidade de reescrever essa história.
Aindas que a informação nas aulas de História precisem ser revisadas as coisas andam tão ruins que os jovens precisam ir às ruas em defesa delas mesmo assim. É sobrevivência.
No Centro Socioeducativo Dagmar Feitosa, onde menores infratores cumprem medidas a poesia e o rap é a estratégia de cura e fuga permitida pelo sistema. Quando o sistema aplaude e premia esse segmento é uma porta que se escancara. É uma reparação histórica que acontece por meio da cultura e está apenas começando. Em agosto serão 30 anos de Racionais MCs, a referência nacional.
Mensagem
Em seu Instagram, Baco já revelou que o significado das faixas de Bluesman fazem alusão a transtornos gerados pela falta de saúde mental.
Numa fala precisa: a saúde mental de jovens negros.
“Queria deixar claro que o bluesman é um disco sobre saude mental dos negros é um trabalho pra fortificar os nossos!! Girassóis de van Gogh – Suicídio / Me desculpa Jay-Z bipolaridade/ Queima minha pele Depressão / Flamingos Codependencia. Fora essas quatro o disco sou eu rasgando tudo que tava intalado por tanto tempo sem me preucupar com punchiline/ métrica / trocadilho ou nada so desabafei no papel porque eu precisava porque eu tava mal… Esse disco sou eu me lembrando todo dia que eu não to bem e que eu preciso me cuidar”
O curta-metragem de “Bluesman”, dirigido por Douglas Ratzlaff Bernardt, engloba três das músicas do disco e foi produzido em parceria com a Coala.lab, AKQA, Stink e 999.
Lançado em novembro, o filme tem 1,5 milhões de visualizações no YouTube.
*Com informações d’O Globo.