Resistir para existir é o grito de guerra dos povos indígenas, cuja data foi celebrada nessa sexta-feira (19). E foi usando a escrita para reafirmar a necessidade de resistência que o professor da rede pública estadual, o indígena munduruku Ytanajé Coelho Cardoso, de 28 anos, encontrou o caminho para registrar a existência do próprio povo. Autor do livro “Canumã: A travessia”, Ytanajé decidiu dar voz aos povos que habitam a aldeia Kwatá, em Borba, misturando ficção com lembranças da infância na região.
Publicado pela Editora Valer, o livro surgiu a partir das pesquisas de graduação de Ytanajé, ainda em 2014, e foi lançado nesta quarta-feira (17), na programação do Abril Indígena da Escola Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas (ENS/UEA).
O educador, que hoje é professor na Escola Estadual José Bernardino Lindoso, conseguiu inserir no romance a língua ancestral do povo Munduruku. “Ester Cardoso, moradora do rio Canumã e que celebrou 100 anos de vida na semana passada, é uma das poucas a falar a língua de sua tribo no Amazonas. Tudo isso tem se perdido ao longo do tempo e não tem sido documento como deveria”, relata o professor.
No romance, a busca por uma vida melhor norteia a história de uma família Munduruku que vive na aldeia Kwatá e se vê obrigada a mudar para a sede do município. “Antes de saírem, entretanto, eles ouvem muitas lembranças de seus próprios avós (anciões). São eles os verdadeiros contadores de histórias das comunidades – o que não veremos mais depois que eles morrerem”, resumiu o professor de Língua Portuguesa.
Quando decidiu documentar a fala do povo Munduruku, Ytanajé tinha alguns objetivos. “Resolvi documentar os últimos falantes da nossa região porque, enquanto os Mundurukus do Pará e do Mato Grosso falam, temos aqui apenas os anciões – que são poucos. Preocupado com a perda dessas vozes ancestrais, usei uma das estratégias para manter esta tradição viva: a ficção”, salientou o escritor.
Educação indígena
Com o livro, que ressalta a vida e cultura de seu povo, Ytanajé quer pleitear ser um dos autores do material didático das escolas indígenas da Secretaria de Estado de Educação (Seduc-AM), na qual é professor de Língua Portuguesa desde 2016. Atualmente, a Seduc-AM atende 10,5 mil alunos indígenas em todo o Amazonas.
“A literatura indígena precisa ir além, mas também é importante que a gente consiga mostrar nossa história para nós mesmos. Conhecer a nossa história é uma forma de resistência”, destacou.