O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na segunda-feira (24), derrubar a política de cotas que reserva 80% das vagas oferecidas pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) a estudantes que concluíram os três anos do ensino médio no estado. Por unanimidade de votos, os ministros concordaram que o percentual é excessivo, mas não há maioria formada quanto à tese.
A reserva de vagas da UEA está amparada pela Lei Ordinária nº 2.894, de 31 de maio de 2004, que dispõe sobre as vagas oferecidas em concursos vestibulares pela universidade. A lei ainda sofreu uma alteração em 2016 para ser acrescentada uma cota de 5% das vagas para Pessoas com Deficiência (PcDs).
A universidade recorreu ao STF argumentando que a instituição é mantida exclusivamente com recursos estaduais, diferentemente da situação das universidades federais, cujos impostos pagos em âmbito nacional “credenciam brasileiros de todas as regiões a frequentá-las”.
Argumenta, ainda, que a política de cotas está baseada no princípio da equidade, pois acredita que não é razoável que estudantes do Amazonas, um estado pobre e periférico, concorram igualmente com alunos de outras cidades mais desenvolvidas do país.
Ao jornal ACrítica, a UEA enviou a seguinte nota:
”A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) informa que vai cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em paralelo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) irá estudar o caso.
A UEA reforça que o sistema de cotas foi, durante os últimos anos, instrumento fundamental para o ingresso de alunos da rede pública do Amazonas na universidade pública, bem como alunos oriundos de municípios, democratizando o ensino superior no estado e atendendo a necessidades específicas em virtude das características peculiares do Amazonas.”
TJAM
O sistema de cotas entrou em destaque quando o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), em 2010, reconheceu o direito de um vestibulando a se matricular no curso de engenharia da UEA mesmo não tendo cursado todo o ensino médio no estado, apenas o terceiro ano.
O Tribunal, na decisão, apontou a inconstitucionalidade de dispositivos da lei estadual com base no artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, que dispõe sobre a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
Recurso Extraordinário
O sistema de cotas é discutido pelo STF por meio do recurso extraordinário 614873, em que se “discute a constitucionalidade, ou não, de lei amazonense que reserva 80% das vagas em vestibular da UEA para egressos de escolas de ensino médio situadas na respectiva unidade federativa”.
No ano de 2020, o relator do Recurso Extraordinário, o então ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, optou por dar parcial provimento ao recurso para fixar, em, no máximo, 50%, a reserva de vagas aos estudantes do Amazonas.
Porém, o ministro Alexandre de Moraes divergiu do relatório apontado por Marco Aurélio. Moraes argumentou que a decisão de Marco Aurélio era “inconstitucional, por ferimento ao artigo 19, III, da Constituição Federal, a reserva de vagas em universidades públicas estaduais que exija dos candidatos terem cursado o ensino médio integralmente no respectivo ente federativo”.
O ministro Luís Roberto Barroso pediu, então, vistas dos autos. Levando à última decisão, de segunda-feira, de inconstitucionalidade do sistema de cotas. Hoje, há três soluções diferentes para a política de cotas, dos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e o ministro aposentado Marco Aurélio. Portanto, como não foi atingido o quórum de maioria absoluta (seis votos), é preciso aguardar a proclamação do resultado final em plenário para a decisão final.
As decisões dos ministros
Luís Roberto Barroso considera que a reserva de 80% das vagas de universidade pública estadual a estudantes locais é inconstitucional porque é discriminatória. O seu voto foi seguido por 4 ministros: Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques.
Para o ministro, “é bem verdade que o Amazonas é menos desenvolvido do que outros Estados da federação e que seus residentes eventualmente não tiveram acesso à mesma educação que pessoas provenientes de outros lugares do país”, mas “esse não é um critério legítimo para justificar a ação afirmativa e a flexibilização do princípio de igualdade de acesso ao ensino superior”.
O ministro Alexandre de Moraes reconheceu ser inconstitucional a reserva de vagas em universidades públicas estaduais que exija que os candidatos tenham cursado o ensino médio integralmente no estado, sem especificar um percentual. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Gilmar Mendes.
De acordo com o ministro, o “tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”. O que não se pode admitir, no entanto, são as “diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas”.
O relator do recurso, Marco Aurélio, defendeu que a política de cotas não conflita com a Constituição. Nenhum ministro o acompanhou. Marco Aurélio afirmou que a norma visa o desenvolvimento socioeconômico regional diante das dificuldades enfrentadas pela população, um objetivo fundado no próprio texto constitucional. “Toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Carta da República não pode ser acoimada de inconstitucional,” concluiu.
Para o ministro, o percentual que “não se mostra razoável”. Ele propôs, nesse sentido, a fixação de um teto de 50% a reserva de vagas para o caso do Amazonas e a tese de que as políticas de cotas de universidades públicas devem respeitar os critérios de razoabilidade e as diferenças locais.
Repercussão
A deputada estadual Mayra Dias manifestou, em rede social, a sua contrariedade à decisão do STF, para ela “a manutenção das cotas possibilita o acesso ao ensino superior visando fatores sociais, econômicos e geográficos do Estado”.
O deputado federal Amom Mandel, criou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que será protocolada nas próximas 48h, para contornar a situação. “É impossível falar em garantir igualdade de condições de acesso quando claramente há uma disparidade em relação ao ensino e à condição socioeconômica no interior do Estado com o resto do Brasil”, argumentou o parlamentar.
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A direção de políticas estudantis do Centro Acadêmico de Enfermagem (CAJAN), em conjunto com a Liga Acadêmica de Atenção Integral à Saúde (LAAIS), emitiu uma nota criticando a decisão do Supremo.
“Somos atravessados por rios e muitas vezes enfrentamos longas distâncias para ir à escola. Sendo assim, o Amazonas possui milhares de famílias que moram às margens dos rios e em comunidades afastadas que enfrentam essas barreiras geográficas e, consequentemente, socioeconômicas. O Amazonas é atualmente o 18º estado brasileiro em índice de desenvolvimento humano, o que reflete as condições de educação do estado e merece atenção especial no ingresso às vagas do ensino superior”.
Os estudantes destacam ainda que a universidade promove o desenvolvimento não só da capital, mas também do interior do Amazonas, formando profissionais para o mercado de trabalho.
“A UEA é tão grande quanto o nosso estado e caracteriza-se como a maior universidade multicampi do país, justamente para tentar desenvolver o Amazonas de forma igualitária e promover o avanço não só na Capital, mas em todos os municípios. Visando atender a toda essa pluralidade, a UEA forma profissionais para adentrarem o mercado local onde se formaram. Ou seja, o objetivo é que haja a possibilidade de formação regional para atender às necessidades dos municípios nos três níveis de formação: técnico, licenciatura e bacharelado.
Neste sentido, o atual sistema de cotas da UEA cumpre um papel social de ofertar as vagas para os estudantes do estado e, assim, desenvolver o mesmo, contribuindo para a permanência e incentivo da mão de obra especializada, sendo um mecanismo de inovação. Mesmo com 20% das vagas destinadas a alunos de outros estados, é possível observar que estes acabam retornando para seus estados de origem e deixando uma “lacuna” no mercado Amazonense”, finaliza a nota.
*Com informações do jornal ACrítica e jornal Jota.
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