sábado, novembro 2, 2024
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    O que falta para a lei da LGBTfobia sair do papel?

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    Pessoas como Eduardo Bolsonaro continuam agindo como se a LGBTfobia não fosse criminalizada no Brasil.

    Neste final de semana, em um evento que reuniu conservadores do Brasil em São Paulo, o deputado federal e filho do presidente da república, Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), apareceu vestindo uma camiseta satirizando a sigla LGBT.

    Na imagem estampada em seu peito, em vez de fazer referência ao grupo de lésbicas, gays, bissexuais e trans, as letras se associavam às palavras liberty (liberdade), guns (armas), Bolsonaro e Trump.

    Na legenda da foto postada em suas redes sociais, Eduardo diz que a “sigla foi atualizada com sucesso”. O deputado também apareceu em um vídeo, gravado por sua colega de partido, a deputada federal Bia Kicis, em que explica a legenda rindo e sendo irônico quando se refere ao movimento que luta por direitos de pessoas LGBTs.

    Eduardo se comporta como se a LGBTfobia não fosse criminalizada no Brasil. Desde agosto deste ano, o STF entende a discriminação baseada em gênero ou sexualidade como crime de racismo. O racismo no Brasil é um crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional e pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa.

    E Eduardo segue ileso, assim como seu pai, que censurou séries que tratavam sobre o tema LGBT. Assim como o governador do estado de São Paulo, João Doria, que censurou livros. Assim como o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que censurou livro que trazia uma imagem de dois personagens homens se beijando.

    E não é só na política que a discriminação não se alterou depois da aprovação da lei. Na sociedade, ataques físicos e verbais contra LGBTs continuam acontecendo. Foi o caso do ator Marcello Santanna, de 23 anos. O morador do bairro Cidade Líder, zona leste de São Paulo, foi agredido no dia 7 de setembro por um motorista de um ônibus ao beijar um rapaz que o acompanhava.

    Segundo Santanna, o motorista parou o ônibus e falou para ele descer depois que viu o ator dando beijos em outro rapaz. O ator saiu do veículo, que faz a linha 3736-10 – Jardim Nossa Senhora do Carmo-Metrô Artur Alvim. Em seguida, o motorista desceu e deu um soco no seu rosto. A agressão aconteceu na Avenida Maria Luiza Americano.

    Marcelo teve o nariz quebrado e o rosto todo machucado. Imediatamente, foi até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência e se espantou quando o delegado se recusou a registrar a agressão como crime de racismo.

    O crime foi registrado como lesão corporal apesar de a vítima relatar homofobia. De acordo com o advogado de Santanna, o delegado não incluiu o crime de homofobia no boletim de ocorrência já que, segundo ele, não houve uma frase que enquadrasse a ocorrência nesse crime.

    Marcelo procurou o Ministério Público para conseguir registrar o crime como racismo. Os procuradores entraram na Justiça para alterar o boletim de ocorrência, mas até o momento nada foi modificado. O motorista prestou depoimento assumindo que agrediu Santanna depois que viu os dois rapazes se beijando. Segundo o agressor, a cena era obscena. Ele segue ileso.

    Como agir em uma situação de LGBTfobia?

    A advogada Maria Eduarda Aguiar foi uma das responsáveis pela ação que criminalizou a LGBTfobia no STF. No caso de Santanna, a jurista enfatiza que não é necessária uma agressão verbal para que a ofensiva se classifique como LGBTfobia, a intenção que levou à violência já é o suficiente. “O agressor precisa xingar para ser homofobia? Houve uma falha nesse processo”, enfatiza Maria.

    A advogada aconselha, quando ocorrer um caso de agressão motivada por preconceito, que a vítima procure uma delegacia especializada sobre o tema. “Não é obrigatório, mas ajuda no processo”, diz. Caso não encontre, Maria explica que qualquer delegacia deve estar preparada para registrar um BO como racismo em caso de LGBTfobia.

    Caso ocorra o mesmo que aconteceu com Santanna, e o delegado se recuse a tal, Maria diz que a vítima deve procurar o Ministério Público para notificar sobre a rejeição por parte da polícia. Além disso, a jurista enfatiza que a Ordem dos Advogados do Brasil possui uma comissão especializada em diversidade com advogados disponíveis para auxiliar as vítimas.

    E os casos de injúria?

    A injúria é qualquer xingamento dito diretamente a uma outra pessoa. A verdade da acusação não muda nada no crime e, caso a pessoa atingida resolva processar, o acusador pode pegar de 1 a 6 meses de prisão ou ter que pagar uma multa.

    No caso do racismo, a lei incluiu injúria racial como crime, e a pena aumenta em casos quando o xingamento tem cunho preconceituoso. Maria explica que o entendimento sobre a LGBTfobia feita pelo STF não incluiu injúria como crime. Segundo a jurista, isso foi um erro que aconteceu por parte da Suprema Corte e agora os advogados estão tentando alterar o entendimento através de um embargo no processo.

    Importante deixar claro que injúria se difere de agressão verbal, que é quando acontece intimidação e ameaça por parte do agressor.

    E o caso dos políticos?

    O caso envolvendo Crivella, quando o prefeito decidiu censurar livros pelo fato de ter dois personagens homens se beijando,  foi denunciado por Maria e outros juristas para se enquadrar como crime de racismo. O processo ainda está aguardando julgamento, mas Maria acredita que acontecerá uma decisão contra o prefeito, já que tudo prova que sua decisão foi baseada em um preconceito.

    “Temos provas de que houve discriminação. Em um processo nunca podemos dizer se vamos ganhar ou não, mas a probabilidade do sim é muito maior”, enfatiza a advogada.

    Já em relação aos casos de Bolsonaro e de seu filho Eduardo, ninguém entrou com um processo contra os políticos. A jurista, entretanto, explica que são casos em que cabem o crime de LGBTfobia. “O preconceito é um fato que deve ser incluído como crime de racismo. O problema é que falta braço para entrar com tantas ações”, explica Maria.

    Qualquer pessoa pode entrar com uma ação popular contra qualquer ato LGBTfóbico, de políticos ou não. Já uma Ação Civil Pública é necessária ser feita por uma instituição. Ambas possuem o mesmo efeito.

    “Eles estão fazendo essas coisas achando que ficarão impunes. Não é instantâneo. O resultado não é imediato, mas vai acontecer. A lei entrou em vigor agora. Vai ter resistência de alguns juízes, mas vamos conseguir, só precisamos ficar atentos”, enfatiza Maria.

    Reportagem da Carta Capital*

     

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